Uma cela imunda. Os porões de uma penitenciária, ou, pior ainda, os subterrâneos de uma casa utilizada para o aviltamento e o maltrato infligido a homens e mulheres. Percorrem seus corredores personagens comuns, transformados, de hora para outra, em criminosos da pior espécie, circundados por outros homens comuns, que, a despeito de suas virtudes e defeitos corriqueiros, igualmente se transmudam, ante o fatídico destino que pensam lhes aguardar, caso descumpram as ordens de superiores cujo rigor e crueldade alçam as barreiras do incompreensível e inimaginável. Simples e inofensivo fraudador. Eis como se autodenomina Guilherme, em sua luta desesperada por provar sua inocência. O que faz, fá-lo para sobreviver, não imporia a ninguém nada mais do que prejuízos materiais, em seu ponto de vista é uma pessoa de princípios e valores, entre os quais a vida humana é o mais relevante…
A instigante aventura psicológica de um homem que, sem prévio aviso, de repente se vê despojado de tudo e jogado numa masmorra, de onde só sairá depois de confessar um crime que jura não ter cometido.
O CÁRCERE, de Fabiano Bley, chama a atenção pela excelente construção psicológica dos personagens e pela detalhada elaboração do cenário. Para que possamos entender situação e personagem, a descrição do narrador é fria e detalhada, arrasta-nos para um universo que preferimos ignorar: “Uma cadeira dura, de espaldar reto, fria como a neve, e se sentou, sentindo-se confortável, na inevitável comparação com o chão pegajoso e imundo da cela. A venda apertada machucava os olhos”.
O escritor traça o perfil de Guilherme, um golpista cuja fraqueza é o sexo. O autor nos joga no mundo que tentamos negar, esquecer, discriminar. O personagem é, na realidade, um anti-herói, tem quarenta e cinco anos, e sua vida sempre se voltou à esperteza – aproveitar-se dos mais fracos, eis o mote com que espera poder vencer na vida. De repente, vê-se entre quatro paredes, envolvido pelo breu mais profundo que se possa imaginar, para em seguida ser obrigado a andar por um corredor que parece não ter fim, e ele se pergunta, como o personagem de Kafka em “O Processo”, “afinal, de que me acusam?”
A narrativa é forte, impactante e nos arrasta como uma torrente para o mundo que é fruto da sociedade doentia em que vivemos. Um jogo de farsa e de hipocrisia, onde os ganhadores são aqueles que melhor aprenderam a mover as peças no tabuleiro da vida, e não os homens de bom caráter e coração puro.
O narrador nos conduz com maestria pelo mundo do horror, onde a bondade e a franqueza ficaram de fora. Fabiano Bley nos oferece um livro que impacta pela dor e pela denúncia. Leitor, procure um lugar confortável para ler esse romance devastador, que versa não apenas sobre cárcere, mas principalmente, sobre a natureza humana.
Isabel Furini
É escritora, poeta e educadora. Ministra a Oficina “Como Escrever um Livro”, no Solar do Rosário, em Curitiba.
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