Este livro busca promover o diálogo de discursos que possam servir à compreensão da complexidade do tema estudado. A busca por uma melhor compreensão tem permitido, em muitos discursos-base de estudo do sistema normativo, se conhecer as culturas jurídicas que neste estão inseridos. As tradições fragmentadas das disciplinas passam a integrar a caixa de ferramentas de que um viajante acadêmico pode fazer uso, na compreensão da complexidade, partindo do fato de que ele nunca poderá abarcar a totalidade, mas sim, ter uma melhor perspectiva da separação daquilo que não está separado (existem, por acaso, limites claros, fora da ciência, entre a norma e a cultura, entre a sociedade e a lei?).
Isto é o que anima boa parte desta obra. Se, para melhor compreensão de um fenômeno, for útil o uso de ferramentas (um conceito de outra disciplina, por exemplo), então que estas sejam bem-vindas. Isto explica porque os ensaios que compõem este livro não renunciaram ao uso de pautas interpretativas próprias de outras disciplinas jurídicas, tampouco evitaram o uso daquelas estritamente jurídicas. No entanto, dentro do ânimo de diálogo e de viagem, se escolheram alguns ensaios que, em sua maioria, partem da jushistória, mas que, para o bem ou para o mal, tentam abrir diálogos, para fundir horizontes com outros discursos-base do Direito, em especial com a jusfilosofia. E graças a um bom grupo formado por amigos brasileiros, alguns deles tendo sido antes meus alunos, se pode realizar essa tradução, que agora é apresentada neste livro. Cada ensaio tem sua própria trama e história, que não põem em questão o ânimo de diálogo e viagem acadêmica que unifica, em seu espírito, todo o livro.
BIBLIOTECA DE HISTÓRIA DO DIREITO
O Direito, como tudo e todos, está inserido no tempo. Como ocorre no âmbito social, cada elemento do âmbito jurídico está imerso em condições que não podem se desprender de sua história. Só se compreende o Direito de modo efetivo quando se lhe conecta com o que nos antecedeu e com o que herdamos do passado. Nada, afinal, tem sua existência destacada das condições históricas que produzem nosso presente. Nossa tradição teórica do Direito, rompendo amarras que ora lhe impunha o formalismo positivista, ora lhe impunha o idealismo jusnaturalista – ambos avessos à historicização do jurídico e incapazes de escapar da mitificação de seu presente – finalmente volta sua atenção para a História do Direito como um nstrumento de análise riquíssimo e imprescindível para que todo jurista compreenda o mundo que habita e atua. Mas voltar os olhos para o passado (e para o passado do Direito) não é tarefa simples e automática. Como em toda ciência, exige teoria e metodologia. Sem elas, o resgate histórico jurídico corre o risco de ser uma mera recuperação vazia e inócua de dados pretéritos. Ou, pior ainda, ao estabelecer uma continuidade muitas vezes artificial e sem mediações entre o ontem e o hoje, pode resultar num instrumento banal para demonstrar a inevitabilidade do presente, colocando-o como ponto de chegada natural e consequente de um curso histórico homogêneo, resultando numa celebração acrítica do presente e de suas instituições. Esta coleção, ao contrário, levando a sério a complexidade que envolve o conhecimento do passado jurídico, busca uma historiografia do Direito que além de compreender e explicar, saiba também relativizar e desmistificar, de modo que o presente jurídico surja como um campo de reflexão complexo e cheio de alternativas e não como o ponto de chegada natural de um tranquilo processo linear.
Ricardo Marcelo Fonseca
Coordenador da Biblioteca de História do Direito
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