FEIJÃO DE CEGO
Paulo Roberto de Oliveira Lima (*)
Embora mais moço que o homem Vladimir Souza Carvalho, a quem conheci há cerca de vinte e poucos anos, vi nascer o escritor Vladimir Souza Carvalho. Por sua gentileza li muitos de seus contos, e até alguns livros inteiros, no original, em fase de elaboração ou no prelo e é com inevitável satisfação que pude observar o crescimento e o amadurecimento intelectual do autor. E somente esta camaradagem, de amantes da literatura, com especial predileção pelo conto, justifica o generoso convite que recebi para fazer estes ligeiros registros na “orelha” de FEIJÃO DE CEGO.
Vladimir Carvalho é hoje um escritor maduro e um contista refinado. O color regionalista que sempre o acompanhou desde o QUANDO AS CABRAS DÃO LEITE, MULUNGU DESFOLHADO e ÁGUA DE CABAÇA o tomou por inteiro. Completa a invasão, Vladimir é todo ele um pedaço do sertão nordestino, uma fazenda de gado, uma rua acanhada de qualquer povoado do interior. Sua literatura cheira a terra molhada, a cana-de-açúcar, a mato verde e virgem; tem gosto de farinha, carne seca e rapadura; sabe ao toar monótono das rodas desengonçadas de um carro de boi, ao bater de uma porteira, ao chilrear de uma guriatã.
Os acontecidos narrados em Feijão de cego o são com uma linguagem brejeira que lembra uma conversa vadia, à sombra dos alpendres ou das centenárias jaqueiras e convidam o leitor a uma boa preguiça (licença à Ariano) e ao esquecimento das coisas duras e frias da cidade. E nestas conversas há para tudo: para o humor do Soldado do Fisco, do Assunto Sério e da Consulta; para o drama de Ciúme, de Perdão e de Meu filho Teodásio; para a luxúria de Reencontro e de Visão.
Não se trata de leitura indicada ao vexado homem de negócios, habitante de cidades metropolitanas, acostumado ao folhear meteórico dos jornais quando do deglutir apressado de um café instantâneo, com leite longa vida e uma xícara de cereal seco. Salvo se egresso de família campesina, para o relembrar da infância perdida na lonjura dos anos findos. Mas então é essencial que pare, que se livre dos nós da gravata e dos sapatos, como diria Gilberto Gil em “Se eu quiser falar com Deus”, esqueça os compromissos e o relógio e se acomode no largo de uma rede, ao balançar da brisa suave e à música dos gonzos enferrujados.
Se o livro é bom, se os contos são excelentes, há entre eles uma obra prima: Herança. Texto digno de freqüentar as melhores antologias e de despertar a inveja boa dos colegas a se indagarem: por que não fui eu que o escrevi?
(*) Membro do Tribunal Regional Federal da 5a Região, jurista e contista, autor de livros nos dois ramos.
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