Hobbes e Locke nas Relações Internacionais

Na Teoria das Relações Internacionais o estado de natureza hobbesiano costuma ser usado para interpretar o cenário internacional a partir de uma analogia entre a situação dos Estados e aquela dos indivíduos em estado natural. O problema dessa comparação é que ela tem sido entendida como um paralelismo estrito, como se as relações entre os Estados fossem equivalentes às caóticas relações entre os indivíduos em estado de natureza. Porém, a pertinência da crítica a Hobbes fica comprometida quando o seu próprio pensamento é resgatado. Há no Leviatã algo mais do que aquilo que foi incorporado pela “tradição hobbesiana”. Na verdade, além da guerra, há fortes indícios de que na teoria hobbesiana há espaço também para a cooperação entre os Estados. No entanto, a crítica elaborada contra a utilização do conceito hobbesiano de estado de natureza introduziu uma inovação. Hedley Bull apontou para a possibilidade da utilização da descrição de Locke e não a de Hobbes. A noção de estado de natureza lockiano promoveria um outro tipo de mentalidade no que diz respeito às relações internacionais: nem pessimista – como aquela proposta pelo realismo clássico –, nem ingenuamente idealista – como aquela defendida pela escola utópica. Na verdade, trata-se de uma concepção que poderia ser também chamada de “realista”, no exato sentido de que ela descreve de modo mais fiel àquilo que efetivamente ocorre no cenário internacional: cooperação e conflito.

Se Locke é importante para que se compreenda a existência da ordem, da sociedade internacional e da cooperação nas relações internacionais, Hobbes é imprescindível para mostrar que esta ordem e esta sociedade permanecem frágeis e envolvidas numa luta pelo poder, o que potencializa os interesses nacionais e acirra o próprio conflito. O “espírito lockiano” e o “espírito hobbesiano” são complementares. Ambos devem estar presentes, em alguma medida, na mente daquele que quer compreender as relações internacionais, no exato sentido de que Locke representa a elucidação de um estado de paz e boa vontade que nasce por uma conduta guiada pela razão-moral, baseada nas leis naturais; e Hobbes, ao apontar as mais profundas forças que estão por detrás das ações humanas, oferece uma visão daquilo que move os interesses e os jogos humanos. Neste contexto, Locke representa a possibilidade de mudança, um plano de ação para aqueles que pretendem um estado de paz e boa vontade, enquanto Hobbes indica o estágio em que se encontra este plano de ação, ou seja, que muitas outras forças concorrem, e nem sempre de maneira convergente, para o estabelecimento do estado de paz nas relações internacionais.

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