O quadro de Velázquez, conhecido como “Las hilanderas”, parece estar simbolicamente dominado pela temática das redes, dos laços, das teias e da harmonia que com eles se tece. No último plano, além da lenda de Aracne, um improvável grupo de instrumentos musicais reenvia de novo para esta mesma ideia de vinculação múltipla, desta vez por meio da metáfora musical, tão usada pela doutrina política da época (composição, harmonia, contraponto, polifonia). Não falta mesmo quem veja neste quadro um apelo à necessidade de restabelecimento dos equilíbrios políticos na Monarquia Católica, perturbados com a secessão de Portugal, a que o pintor, como neto de gente do Porto e portador de nomes portugueses(Rodrigues, Silva), seria sensível. A interpretação do belíssimo quadro é controversa. Mas o que, isso sim, é incontroverso é a geometria multipolar da ordem social, assente sobre as normas do direito, mas também da religião, da graça e das virtudes conexas, dos usos enraizados e das exigências de uma natureza que traduzia, afinal, a cultura mais profunda e interiorizada da época. Este livro é dedicado a recolher lampejos dessa ordem e do modo como o direito se acomodava com ela. Por muito de estranho que haja nestas imagens da política, da ordem e do governo, não conseguimos deixar de pensar em paralelismos com as constelações normativas dos nossos dias e com o lugar claramente descentrado e subalterno que o direito – hoje como então – nelas tende a situar-se. Não nos reconhecemos em muitos detalhes do quadro, mas adaptamo-nos bem, de novo, à sua arquitetura global: o pós-moderno toca-se com o pré-moderno.
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