Universalidade dos Direitos Humanos e Diálogo na Complexidade de um Mundo Multicivilizacional

A afirmada universalidade dos direitos humanos, desenvolvimento histórico e aplicação apresenta-se de forma variada no contexto de civilizações distintas. Uma análise comparativa entre as civilizações ocidental, hinduísta, muçulmana e chinesa revela sua diversidade e a influência de suas concepções próprias sobre ser humano, ordem social, direito e direitos humanos. A diferença dos valores está presente no constitucionalismo que passou a fazer parte da história de cada uma e no privilégio dado a direitos sociais e coletivos, ou às liberdades individuais. A resistência ao discurso universalista dos direitos humanos surge também como um aspecto da política internacional, visto que a análise de sua dimensão política na normativa internacional e na prática dos Estados revela desafios civilizacionais à sua implementação, tais como a oposição à seletividade e politização dos direitos humanos e o apelo a particularidades regionais e nacionais e aos vários antecedentes religiosos, culturais e históricos.

Os desafios à universalidade dos direitos humanos ficam mais claros na visão muçulmana e chinesa, diante do poder exercido pelos governos nacionais, que manifestam a necessidade de respeito à diversidade, opondo-se a um “modelo acabado” exportado pelo Ocidente. Já na Índia hindu percebe-se que, se de um lado tem ocorrido um processo de adequação legislativa pacífica aos direitos humanos, persiste um debate em torno da distingüibilidade do sistema de castas, que não poderia ser considerado uma espécie de racismo, conforme as manifestações do país perante a ONU. Os contrastes geram a necessidade do diálogo intercivilizacional. O conhecimento e o reconhecimento dos modos de compreensão distintos, bem como a atenção à fala do outro, enquanto diferente, é fundamental para um diálogo. A dinâmica do paradoxo garante a possibilidade do devir histórico, visto hoje não mais como um produto acabado do Ocidente, mas o resultado de um diálogo aberto, que não promete o consenso, mas abre-se para a sua possibilidade.

Coleção Culturas Jurídicas

Caro(a) Leitor(a),

A Coleção Culturas Jurídicas é a primeira coleção brasileira que tem como objetivo discutir o direito dentro de uma perspectiva de abertura à alteridade, fazendo-nos ter consciência de que a nossa maneira de pensar os nossos direitos está ligada à nossa maneira de pensar o mundo. Trata-se de um projeto inovador que nos convida a conhecer o fenômeno jurídico como uma dimensão da vida inserido na dinâmica global.

A hipótese básica que motivou a publicação da Coleção Culturas Jurídicas é a de que as limitações pragmáticas do direito contemporâneo decorrem de um excesso de preocupação com a regulação da sociedade sem que haja uma compreensão cultural da vida social. Esta hipótese é mais evidente no plano internacional. A percepção que nós temos do fenômeno jurídico pode não coincidir com aquela do chinês, do afegão ou do russo, por exemplo. Este fato desafia o projeto de internacionalização do direito e produz conseqüências no âmbito da cultura jurídica de cada Estado.

Por outro lado, o direito é apresentado como um fenômeno que ultrapassa a percepção unicamente positivista do ordenamento jurídico estatal. Novos laços de identificação social põem em questão a identidade nacional de um direito. Fragmenta-se o fenômeno jurídico em novas formas de regulação social que impulsionam o surgimento de um cenário marcado pela pluralidade de direitos não necessariamente produzidos pelo Estado. O direito estatal sofre, assim, a concorrência de outras formas de regulação normativa da atividade humana. A lex mercatoria é um exemplo no plano das relações comerciais internacionais privadas. Mas não é o único. Admite-se a existência de ordens jurídicas distintas, tais como o direito comunitário, o soft law, os direitos indígenas, o direito da internet etc., que, por sua própria dinâmica, tornam-se insuscetíveis de serem apreendidas por uma única forma de pensar o direito.

Estes fatos repercutem no nosso modo de pensar, aplicar e ensinar o direito. É para este cenário, complexo e fascinante, que o novo jurista deve se preparar. O profissional do futuro deve ampliar seus horizontes, abrir-se cognitivamente para o conhecimento de outras culturas jurídicas no mundo, dominar diversos idiomas, preocupar-se não só com as possibilidades de eficácia do direito mas, sobretudo, com a sua legitimidade. E isto implica saber operar em um ambiente social e global marcado pela diversidade.

É por esta razão que três eixos de reflexão inspiram a Coleção Culturas Jurídicas. São eles: o direito comparado, o multiculturalismo no direito e o pluralismo jurídico. Combinados, estes eixos contribuem para a compreensão do mundo jurídico como uma rede de relações entre vários direitos e várias culturas. A Coleção Culturas Jurídicas inaugura um espaço de veiculação de novas visões de mundo a respeito deste fenômeno social chamado “direito”. Convidamos todos, portanto, a se aventurar na descoberta de um direito plural e multicultural, sem o qual será particularmente difícil lançar um olhar novo sobre o mundo, sobre nossas sociedades e sobre nós mesmos.

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