“Houve um tempo em que os artistas, bem como a parcela mais questionadora da intelectualidade, corriam para longe dos divãs dos psicanalistas como o diabo foge da cruz. Naquele tempo, predominava o entendimento de que o tratamento psicanalítico acabaria por conformá-los ao way of life da burguesia mal pensante acarretando, como efeito maior, o embotamento da sua criatividade. Entre uma vida adaptada – e insossa – e o indômito gênio criador, a preferência pelo último era evidente. É triste constatar que esse conceito não foi o fruto bichado de alguma imaginação desapegada, mas responsabilidade dos próprios psicanalistas que, ao abusar do instrumento interpretativo, terminavam por confundir obra com defesa maníaca e excentricidade com perversão, inibindo as manifestações mais apaixonadas dos seus analisandos. Mais triste ainda é admitir que não faz muito tempo…
O percurso tecido por Vera Cristina Chagas Corrêa de Souza entre as obras de Freud e de Winnicott integra o conjunto recente das pesquisas produzidas na Universidade que vêm contribuindo para libertar a psicanálise desse imerecido imaginário. Nele descobrimos que o viver criativo não é privilégio de estetas que cultivam o lado sombrio do pensamento, e que o espaço potencial que se constitui entre o divã e a poltrona do psicanalista é habitado, assim como um ateliê, tanto pelas pulsões sublimadas quanto pelas paixões corpóreas que tornam vibrante a nossa existência”.
Daniel Kupermann
Psicanalista e Professor
Doutor do Departamento de Psicologia
Clínica do Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo (USP).