Na Bahia, tem sido comum enterros de jovens negros assassinados por policiais somente com a presença de mulheres. Para evitar que os homens da família resolvam vingar seus mortos, os homicidas vigiam o velório e executam posteriormente um a um. Uma violência racial assimilada e reproduzida automaticamente. À frente do cortejo só mulheres. Parecem saídas da música de Jorge Mautner: “Lágrimas negras caem, saem, doem”.
Mulheres baianas vigiadas até em velórios. Elas são tão parecidas com as mães da Praça de Maio a incomodar a ditadura militar argentina, as brasileiras que denunciaram as torturas, mortes e desaparecimento de seus filhos num regime de exceção. E pensar que em plena democracia parece que ainda não saímos dele. Não nas periferias. Como num passado presente a violência policial, as execuções, os corpos desaparecidos – como o de Elísio Rezende, 20 anos, “roubado” no DML de Vitória, em 2002, caso tratado no livro – e a ausência de investigações transformam a luta diária dessas mulheres em busca de justiça algo tão ameaçador como aquelas que as antecederam.
O assassinato é o ponto de partida. Depois da perda, vem a compreensão de que será preciso lutar contra a “amnésia organizada”, que transforma mortes em números e naturaliza a violência. É a resposta coletiva à opressão e à ausência de democracia que leva à ação política e apropriação do conceito de cidadania. Uma situação particular que as fazem perceber que não são casos episódicos e isolados. “Nem que a morte os separe” mostra como se dá esse processo e a percepção dessas mães sobre a lógica da violência e da omissão da justiça. E morte vira o seu reverso, a motivação para o sentimento de pertencimento da vida e do horizonte coletivo: “na frente do cortejo, o meu beijo, forte como aço, meu abraço. São poços de petróleo, a luz negra dos seus olhos”.
Maria Elena da Luz Azevedo – Jornalista com Especialização em Segurança Pública e Justiça Criminal pela Universidade Federal Fluminense