A presente obra tem por escopo demonstrar como a boa-fé é subtraída do formalismo no qual esteve mergulhada sob a égide do positivismo jurídico do século XIX, e torna-se objeto de criação jurisprudencial, mas sem se libertar completamente dos laços de uma racionalidade positivista.
O livro parte da boa-fé, recebida como objeto de transferência cultural pelo Direito moderno, testemunhando o silêncio da doutrina e jurisprudência, que se segue a seu respeito, nas codificações oitocentistas. Restrita aos parâmetros do formalismo, mostrou-se imprecisa demais para ser aplicada pelo modo de pensar silogístico, o que demandou esforços da metodologia jurídica diante da técnica legislativa das cláusulas gerais, standards e princípios jurídicos, com vistas a delimitar seu domínio de aplicação. Eis o que foi alcançado pelas cortes germânicas do Pós-guerra: a concretização da cláusula geral da boa-fé em figuras típicas, que restam inadmissíveis em seu exercício: exceptio doli generalis, venire contra factum proprium, Verwirkung, tu quoque, inalegabilidade de nulidades formais e o exercício desequilibrado de direitos.
Delimitado o tema de investigação da presente obra à função de controle da boa-fé no exercício de prerrogativas individuais no trânsito econômico, seu percurso encontra tradução em outros sistemas jurídicos, nos quais ainda predominava o vazio de seu conteúdo. Elegendo-se como espaço de tradução da boa-fé a jurisprudência brasileira, submetem-se seus resultados a uma leitura crítica, revelando a especificidade da tradição jurídico-europeia no direito pátrio.
Por fim, indagam-se os limites de uma “boa-fé prêt-à-porter”, para a qual contribui o papel do jurista na manutenção do positivismo jurídico.