O princípio do dano, assim como elaborado por John Stuart Mill em On Liberty, é tido como elemento fundamental à afirmação do liberalismo a partir do século XIX e seu desenvolvimento rumo ao século XX. Diante das nascentes democracias europeias foi afirmado como um princípio absoluto de proteção à liberdade individual contra a imposição da moralidade pela opinião pública e pelo Estado. Mill partilhava o apreço de Tocqueville pela democracia, sem deixar de temer a “tirania das maiorias”.
Inicialmente, investiga-se o lugar do princípio do dano na filosofia política milliana, e as fragilidades apontadas por seus críticos. Em um segundo momento, analisa-se sua influência na defesa das liberdades civis na Inglaterra da década de 1950, especificamente com a edição do Relatório Wolfenden que defendeu a descriminalização de práticas homossexuais, bem como o debate que se lhe seguiu sobre os limites do Direito, protagonizado por H.L.A. Hart. Na última parte, o objeto do estudo é o princípio do dano, agora inserido em uma doutrina liberal-perfeccionista, assim como formulada por Joseph Raz em A Moralidade da Liberdade.
O objetivo final é revelar a existência de incoerências internas no princípio do dano, tanto em sua versão original quanto nas que lhe sucederam, a fim de impedir a fixação de um espaço imune ao Direito e à imposição da moralidade. No entanto, visto da perspectiva adequada, o fracasso na elaboração de tal princípio deve ser relativizado, eis que, no seu devir, o princípio do dano serviu à reflexão acerca dos limites da coerção legítima, bem como ao aprimoramento de conceitos relevantes à filosofia política, como moralismo legal, paternalismo e perfeccionismo jurídicos.