Sob o expressivo título Juízes de Paz – Um Projeto de Justiça Cidadã nos Primórdios do Brasil Império, este livro gira em torno de duas obras práticas escritas para o uso daqueles juízes recém-instalados nestas terras em 1827. Atenta à lei de sua criação, toda a arquitetura do ofício estava sustentada pelo caráter eletivo e pela condição leiga de seus titulares, que seriam desde então os elementos definidores dos juízes de paz. Um e outro respondiam prima facie às circunstâncias materiais e aos ideais constitucionais daquele tempo histórico, que são evocados pelas autoras com a expressão justiça cidadã e foram a base dos opúsculos que aqui se estudam e publicam.
Destacadas personalidades políticas das primeiras décadas do Império, os dois autores publicaram seus textos em 1829 e tinham por finalidade guiar os juízes de paz no desempenho de seu ofício. No entanto, o fizeram de modos realmente distintos, obedientes a duas concepções daquela justiça, que no momento se enfrentavam por modelar na prática a figura dos juízes de paz: um, Diogo Antônio Feijó, enfatizava sua condição de autoridade tradicional consagrada à manutenção da ordem na localidade; outro, Bernardo Pereira de Vasconcellos, primava seu caráter de juiz dedicado a administrar a justiça do Estado entre seus concidadãos.
De toda esta história, dão aqui boa conta Adriana Pereira Campos, Andréa Slemian e Kátia Sausen da Motta. Seus estudos introduzem perfeitamente a estas obras, hoje raras, proporcionando-lhes o contexto, a explicação e o sentido precisos para sua adequada compreensão na chave comparada que a coeva difusão desta figura de juiz requer. Sendo evidente sua relevância para conhecer o judiciário do Império, a iniciativa merece ser destacada também por sua singularidade no panorama latino-americano. A florescente historiografia dedicada à justiça dos nascentes Estados americanos nos últimos anos se mostra em geral muito atenta à escala local onde os juízes de paz se movem, mas pouco interessada nos escritos jurisprudenciais deste gênero, que são, todavia, imprescindíveis para se adentrar na dimensão judicial daquele mundo ainda tradicional, como a leitura dos dois que aqui se reproduzem corrobora. Oxalá se difunda o exemplo.
Carlos Garriga
Universidad del País Vasco (Espanha)
Biblioteca de Filosofia, Sociologia e Teoria do Direito – Coordenação: Fernando Rister de Sousa Lima
O Brasil, como país periférico no sistema social global, atravessa um período histórico-social conturbado sob o âmago editorial, em que o tecnicismo-dogmático de baixa consistência teórica e o pragmatismo-imediatista desenfreado assentam-se como principais atores do neocapitalismo, a materializar-se no contexto do mercado editorial, numa avalanche de publicações cujo intento é simplificar o insimplificável, com obras de repetição em massa, sem outro propósito qualquer do que atender a uma demanda de informação resumida. Sem menoscabo a esse público, a Juruá Editora e o Coordenador desta Coleção – o Prof. Fernando Rister de Sousa Lima – saem na contramão dos catálogos a fim de cunhar espaço nesse mercado para trabalhos de verticalidade cognitiva, num diálogo com as disciplinas propedêuticas do Direito. Para tal mister, além de coragem, ousadia e forte sentimento de compromisso social, reclamou-se de guarida de um grupo seleto de intelectuais, que, prontamente, aceitaram formar o Conselho Editorial desta Biblioteca, cada qual, é verdade, com sua característica teórica, porém, todos ligados sob uma só família: “a pesquisa jurídica”!