O grande tema a ser desenvolvido neste trabalho é o da justiça de transição penal, no que diz respeito ao problema de saber se os responsáveis pela repressão contra os adversários políticos do regime militar, que praticaram violações aos direitos humanos “conforme o sistema” então vigente, podem ser hoje penalmente responsabilizados. Como um Estado Democrático de Direito deve lidar com o legado de uma ditadura? Como reagir à violação generalizada de direitos que, apesar de estarem teoricamente protegidos pelo ordenamento jurídico, na prática aconteciam com o consentimento e a tolerância do Estado? Podem os autores da criminalidade estatal praticada em um regime jurídico e político anterior serem mais tarde alvo da persecução penal, mesmo que isso viole certos princípios e institutos jurídicos da nova ordem constitucional? Em que medida o Direito Penal pode contribuir para o tratamento do sistema ilícito do passado?
A presente obra possui, assim, um duplo propósito: pensar o problema da justiça de transição através do Direito (e do Direito Penal) e, inversamente, pensar o Direito (e o Direito Penal) através do problema da justiça de transição. Contando que as regras jurídicas sejam principalmente um produto da práxis, e não o contrário, o tema da justiça de transição oferece ensejo privilegiado para a compreensão do fenômeno jurídico no Brasil, porque incorpora às análises gerais e abstratas sobre o Direito o estudo de casos concretos discutidos atualmente nos tribunais e na doutrina. Em outras palavras, porque ele possibilita testar conceitos e teorias (como anistia, prescrição, validade jurídica, o próprio conceito de Direito etc.) segundo a práxis atual de sua utilização.