O que justifica nossa obediência ao princípio majoritário e que importância tem a regra da maioria nos sistemas democráticos? Se os cidadãos são considerados competentes e livres para escolher seus próprios governantes, como se justificam, na democracia, intervenções paternalistas do Estado? Quais, enfim, são os limites que o Estado deve observar ao restringir a liberdade dos indivíduos? Tais indagações, que guiam este estudo, remetem-nos a um célebre princípio formulado por John Stuart Mill no século XIX – o princípio do dano –, com o qual esse pensador buscou traçar os limites legítimos da interferência estatal na autonomia individual. O objetivo da presente obra é investigar as relações entre a regra da maioria e o princípio do dano de John Stuart Mill, buscando-se averiguar de que modo este princípio pode atuar como um limite às decisões majoritárias na democracia. Nessa linha, este livro examina as dificuldades enfrentadas por Mill para conciliar ideias que, à primeira vista, se mostram antagônicas: utilitarismo e democracia, liberdade e razão. O desenvolvimento desta obra passa também pela análise de ideias permanentemente presentes na reflexão histórica acerca do liberalismo – os conceitos de liberdade positiva e liberdade negativa, os diversos conceitos de paternalismo, as muitas críticas dirigidas à regra da maioria. O que o leitor verá, ao final, é uma consistente defesa liberal do princípio majoritário nas sociedades contemporâneas.
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Do Prefácio da Obra:
Neste livro, redigido com clareza e pensado com rigor, Eduardo Godinho trata de um tema importante – a regra da maioria – examinando-a a partir da perspectiva dos limites que pode impor à autonomia individual. A análise dos limites é discutida tendo como horizonte as reflexões de John Stuart Mill. Este postula que o critério do limite deve ser apenas o dano causado a terceiros pela autonomia individual.
A legitimidade da regra da maioria tem a sua fonte no que se convencionou chamar de liberdade positiva, concebida como a abrangente participação de todos nas deliberações coletivas. É um dos ingredientes das regras do jogo da democracia. A preocupação com a autonomia individual expressa o valor de uma outra acepção de liberdade, a assim chamada liberdade negativa, ou seja, a liberdade como uma esfera privada de não intervenção. Esta, pela operação da regra da maioria, pode correr o risco de ser inadequadamente cerceada pelo paternalismo estatal e pela tirania da maioria.
Liberalismo e Democracia, Liberalismo e Verdade, Utilitarismo, Pluralismo são válidas matérias examinadas no correr do livro para o apropriado entendimento do tema objeto da análise de Eduardo Godinho. Este conclui sua monografia apontando o relevante papel da regra da maioria que permite que “a despeito da falibilidade humana e dos decorrentes desacordos, decisões coletivas sejam tomadas”, “tornando-a mais valiosa do que outros procedimentos”. …
Uma das grandes satisfações na vida de um professor é a de identificar e poder respaldar as qualidades intelectuais e a seriedade de propósitos de seus alunos. É imbuído desta satisfação que assino este prefácio, na convicção de que muito podemos esperar do percurso no mundo acadêmico de Eduardo Godinho, do qual este livro representa um marco inaugural.
Celso Lafer – Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP – Membro da Academia Brasileira de Letras – Foi Ministro das Relações Exteriores no Governo FHC