O problema teórico que ensejou a elaboração da presente obra reside na distinção, utilizada inclusive em julgados do Supremo Tribunal Federal, entre silêncio eloquente e lacuna. Uma pressuposição desse relato é de que a ordem jurídica é incompleta, do contrário não haveria lacunas. Mas existiria um silêncio, por assim dizer, não lacunoso, em relação ao qual o tribunal não poderia integrar.
Neste pormenor, lançando-se no desafio de fornecer balizas e atualidade a esse tema tradicional de Teoria do Ordenamento, este trabalho dialoga com a teoria de Kelsen, buscando fazer uma releitura de seus conceitos jurídicos fundamentais – em especial, norma, sistema e moldura – à luz de um ceticismo semântico (que defende, além da diferença radical entre significante e significado, a total arbitrariedade na atribuição de sentido). Dito de outra forma: visa-se dar a conotação de silêncio normativo e fornecer a diferença específica entre lacuna e silêncio eloquente, afastando-se do cognitivismo semântico do próprio Kelsen.
A eleição de Kelsen como índice-temático dá-se sem qualquer pretensão de encerrar verdades. O trabalho é retórico, no sentido de que pretende apenas construir uma retórica estratégica para fundamentar a utilização dos silêncios normativos, ou seja, para tornar a dicotomia operacional (conceitualmente utilizável) para o jurista praticante, sem o tradicional recurso à retórica da vagueza com a qual sói abordar-se o tema da lacuna como mera ausência de significante ou como “interpretação sistemática”. Quer-se, assim, influir no jogo de relatos sobre os silêncios normativos.